O teto da igreja


Uma professora pede aos alunos olharem o afresco da igreja onde estava um gravura eurocêntrica da representação de Deus. Enquanto todos responderam que estavam vendo Deus, uma menina disse que estava vendo o teto. A professora respondeu incisivamente:

– O que é isso menina? Isso é jeito de falar dentro da casa de Deus?

– Mas, professora... – inquiriu a menina.

– Nada de mais! Já chega, a senhora está de castigo! Vai me apresentar amanhã uma redação dizendo por que não devo desrespeitar Deus! Estamos entendidas”! – disse a tutora.

– Sim, Professora... – assentiu a menina cabisbaixa.

Aos outros que fiquem de lição, ofender Deus, e em sua casa, dá em castigo! – ressaltou a professora a condenação à turma.

– Mas, professora, foi à senhora quem a castigou. – disse um menino;

– Quieto menino, quer ser castigado também! – encerrou a professora.

Estou Preocupado


Estou preocupado com as forma que vejo nos bancos da primeira fileira. Figurões, figurinhas estampadas em patifarias, risadas e gargalhadas. Competem umas com as outras. Mas, é só enganação. São divertidas, alegres, hilariantes. Brincam, sem sair do lugar.

Nas cadeiras, se não fazem bagunça, fazem chiado; somem por ali, aparecem acolá. Tem sempre algo novo a dizer o quer que seja. Por ora ou mais tarde acusam-se ao gabarem-se de sua estampa e de seus estandartes.

“Minha foto é melhor que a sua”! “Não a minha e melhor”! “Ah deixa disso! Vai ver a sua é melhor mesmo”! Não há contrariedade sem uma ironia de sortilégios e bajuladores que animam o lado mais forte. E de outro, é constante sentir o pesar de seus malabarismos atrativos. “Aquela ali é a que mais me compreende”. Moverão o mundo para combater os inimigos. “Não se assustem! A figura é todo-poderosa”!

O quadro


Sentada, ergue-se a coluna voluptuosa do desleixo dos quadris; e do finíssimo pé às coxas abertas que emudecem da cintura para cima. Levantou-se, debruçando seus cabelos encaracolados até a alça do colo por onde tirou a roupa do corpo para em seguida saciar seus seios em frente ao espelho e dançar carnalmente para dizer que é jovem, e é desejável aos olhos estranhos.

De um quadro a gosto lascivo ao horror maniqueísta (seita cristã de origem persa do primeiro século); quando mulheres não poderiam nem serem sonhadas assim senão como peça inquisidora. No tempo em que o homem era “santo” da cintura para cima, a mulher era um “demônio” capaz de armar ciladas e injúrias, desfazer alianças e esconjurar vigários. O espírito sátiro da forma humana com pernas de bode, orelhas compridas, chifres e cauda; seu retrato é a fina sintonia dos ideólogos de plantão. 

Quem orquestrou a farsa, sabiamente desfez o fio do teatro de dramaturgos, saltimbancos que o encarnavam em comédias ao prazer do riso enquanto suas vergonhas eram mostradas. Nada restou quando todo o poder da imposição sobre o corpo desmoronou em um turbilhão de filmes eróticos, e a pose das estátuas nuas antigas que em outros tempos foram destruídas.

O homem voltou a adorar a si mesmo?

FIM DE SEMANA

Penso na aula de sexta-feira. Corriqueira, doentia até não pensar nela mais.

Em um momento, finjo que sou um afortunado estudioso – um aprendiz da ciência que não sabe ao certo nem como se encontra a singela relação trigonométrica de Pitágoras.

Dirijo a outro assento, para ver se outro lugar poderia me tirar da incongruência. Não! Dessa vez, sou um escritor, outro aprendiz que mal aprendeu a andar sobre as próprias pernas. Não saberia os nomes dos grandes escritores, dos grandes cientistas, dos grandes entusiastas que talvez ensinem por seus trabalhos e memórias, ou o que sobrou num rabisco da cadeira, numa folha amassada. Serão fórmulas padronizadas de um tempo técnico e mercadológico.

Samba e pagode



A rodada de um pandeiro. Você viu que as mãos ágeis de um lado e de outro teimam nervosamente a bater. Os pratos ressoam naquele recinto. É um exercício filosófico; o que não poderia ser melhor para esquecer-se dos problemas do que uma música, um instrumento e um grupo empolgado com o que faz. É qualquer coisa que um instrumento de percussão dê a ser.

“Samba”... Não parece ser uma marca, produto de qualquer ideologia contemporânea, ou algo apenas de uma cidade que lembre o Corcovado e o Pão-de-açúcar, ou de qualquer outra parecida com ela. Antes a geografia do que a boêmia, peso ambos; terão um lugar para as inspirações de quem passeia pelas ruas e esquinas dos bares e quiosques.

Amanhã tomarei uma! Tenho dito. Se não aqui, em qualquer outra cidade que terá a decência de me servir uma cerveja. Se não der a cerveja qualquer água-ardente serve, e ver o tempo passar com as horas do sol de uma cidade calorenta.

O som será o mesmo, o de hoje até a madrugada, até o efeito inebriante findar. Mas, enquanto não acabar posso fazer os meus numa caixinha de fósforo e dizer que sou boêmio, que sou legal, que sou malandro como em algum clichê roubado de uma letra de Noel. 

A vida pode ser até agitada, se se pensar bem os encantamentos são suas nuances. Um deja vu de uma vida passada. O eterno malandro com seu chapéu panamá, terno e calça da cor de lã, com aquela cera no sapato preto saindo de um bar com os beijos de uma, esperando pela noite seguinte para findar num quarto sem as ceroulas. 

Teria tempo. Para andar ali e acolá buscando inspiração para cada acerto num jogo de cartas, ou no dominó, ou no bilhar, ou naquela mulher que faz a vida correr porque não teria sentido se as horas não fossem cobradas. “Amanhã eu pago!” “Não precisa!” “Como não precisa meu amor. Dou-te tudo o que precisar. Vem morar comigo”!

Dê-me um motivo...

Dê-me um motivo; uma causa, razão, circunstância... em síntese das palavras, algo que corrobore o espírito solícito que eu tanto prezo ou prezava aqui. Deveria indagar alguns porquês de estar em desestímulo. O mesmo poderá destituir todas as tensões e pressas que angustiam. Só eu, um comensurável, a todos as "minguacisses" de mentiras e trapaças. Ao momento está além do que vejo e aguardo. Aguardo um tempo do motivo que me vem a predizer aquilo que serei e a cumprir como uma mensagem inconsciente. Pronto, resta mais algumas coisas para serem definidas, mas depois de escrever até aqui já não sei o quero dizer. Aliás, já nem me lembro o que queria dizer. Ora, para não dizer nada, precisei de verbos, preposições, adjetivos, advérbios, conjunções, pronomes, artigos e algumas regências que podem ou não vingar. Para um parágrafo já bastam.

Um bilhete


Um bilhete sem endereço a ninguém encontrado manuscrito em um caderno velho tomado pela poeira – nada que um espanador não resolva –. A grafia era maiúscula dando a entender que o autor queria passar seu conflito e indignação quanto ao meio que o cerca: 

A saúde pública que é uma desgraça. O governo corrupto. [O que rouba, mas será que faz? Trocadilho de uma fala de outro ladrão, o ex. governador de São Paulo: Ademar de Barros]. O aumento no preço dos transportes públicos. A discriminação de uma sociedade racista. A hipocrisia das classes [abastadas] achando que tudo está bem assim como está. O contraste de uma elite que compra apartamentos [de milhares de reais financiados pelo poder público]. E construtoras que deitam sobre os lucros em cima do trabalhador taxado a um custo modesto e leis trabalhistas frouxas contando com o aval dos que tem toga. Pobres não compram esses apartamentos, apenas trabalham neles como domésticos e operários. Suas casas ficam cada vez mais afastadas dos centros. [A diferença tem a sua cor geográfica e étnica]. O sensacionalismo da [imprensa].  Pretensão, psiquiatras e suas esquisitices prescrevem drogas que fazem o mal multiplicando o egoísmo. O escapismo da propaganda – antes usada pelos alemães como arma de guerra, e depois trocada para outros termos: relações públicas, e agora para fins educativos e profissionalizantes de publicidade –. Elas não medem esforços em ludibriar o povo com seus bibelôs: modelos que viram dramaturgos de novela; pousam para as revistas, mostram suas casas luxuosas e aparecem na tevê alimentando o ciclo da famigerada coluna social: o caderno dos jornais que teimam em publicar notícias sobre famosos, ricos e sua casta. Produzirão mais fundamentalistas do que fãs; se é que a palavra fã não caiba na primeira, que compram o show bussines por um “pedaço de uma roupa do ídolo”.

Império Mongol


A cavalaria assoberba-se nos campos da primavera onde os camponeses mal tiveram tempo de plantar. Guerreiros assentados em seus cavalos. Uma forma esguia, ágil; possuidores do arco duplo; que fundem suas lanças em ferro e suas couraças em bronze.

Ruge na batalha, a terra esvoaça entre as cavalgadas violentas que pintam o vermelho. Os elmos, os éfodes vestem para a vitória.

O exército é a sua arma, sem a terra sobre os seus pés, não terá conquista. Não haverá honra em lutar.

Os que dantes fora das estepes vasculharam desertos; subiram montanhas gélidas; conquistaram a China e a Rússia e terras nunca antes imaginadas por suas bandeiras, brasões e símbolos.

Um império sob a maior das honrarias ergue-se a fama entre os homens. Será um título – Gengis Kan – sobre todos os confins da Ásia.